Em clima de Copa do Mundo, ex-lateral-direito da seleção brasileira conta sobre sua participação com os jovens da entidade
Se só simplicidade conquistasse o mundo, não seria necessária tanta raça e determinação. Mas se todas juntas, não caberiam troféus e nem medalhas. Com essas qualidades, o ídolo de uma nação de torcedores é despretensioso ao se autodeclarar um “caipira de interior”.
A carreira do ex-jogador de futebol José Maria Rodrigues Alves parece que ainda não terminou. Zé Maria, como ficou conhecido pelo país nas décadas de 1960 e 1970, se destacou pelo desempenho em campo logo aos 13 anos. Hoje, aos 69, usa dessa experiência para desenvolver um trabalho de ressocialização com meninos da Fundação CASA.
Desde 1999, auxilia na implementação de iniciativas ligadas a união de menores infratores com os privilégios e benefícios de diversas modalidades esportivas. Com o início da Copa do Mundo, nesta quinta-feira (14), o trabalho e a trajetória de Zé Maria são ressaltados pelo fato de ter conquistado o terceiro título mundial ao Brasil e, mais do que isso, mostrar futuro e caminhos alternativos à criminalidade.
Lateral-direito de respeito
Menino de bola no pé e garra nos olhos, Zé Maria ganhou espaço no Ferroviária de Botucatu, time de sua cidade natal, ainda adolescente. Seu estilo de jogo logo chamou atenção de olheiros, que o fizeram a proposta de ir jogar na capital.
Em São Paulo, sua história começou na Portuguesa em 1967. Com uma carreira relâmpago, no ano seguinte já foi convocado para seleção brasileira como reserva do lateral-direito Carlos Alberto Torres. Foi em 1970, então, que seu futebol ganhou outra dimensão. Aos 21 anos, no México, Zé Maria se tornava tricampeão mundial.
“Para mim foi um baita aprendizado, eu consegui pegar a nata da seleção. Os caras me chamavam de menino e falavam ‘presta atenção no jogo’. Mas eu não era moleque, fui para ganhar o campeonato”, lembra Zé Maria.
Com a taça na mão e a valorização da Copa, Zé deixou a Portuguesa e assinou contrato com o Corinthians, por onde permaneceu a maior parte de sua carreira. Não foram apenas as jogadas e a força física que o colocaram em destaque no clube. O lateral-direito impressionou pela sua determinação e compromisso com o time – dentro e fora de campo.
“Meu pai disse no começo da minha carreira que eu só serviria para engraxar as chuteiras dos grandes laterais do Corinthians. Aí eu falei ‘tudo bem, um dia eu chego lá’”. Hoje, Zé Maria é considerado o maior lateral-direito da história do clube.
Pelo fato de ir e voltar sem parar nos jogos, o apelido Super-Zé logo caiu na graça do público. Segundo ele, isso foi uma vantagem para enfrentar os demais times, uma vez que o consideravam um adversário de difícil marcação e dividida.
Em 1974, na Copa da Alemanha, Zé se tornou titular da seleção. A taça não veio, mas sua atuação no clube paulista estava ganhando cada vez mais destaque. O marco de sua carreira, portanto, foi em 1977 com a conquista do torneio mais importante do período para o clube: o campeonato paulista. O time de Zé havia quebrado um jejum de 23 anos sem título sobre a Ponte Preta.
Devido a uma contusão no joelho, Zé foi cortado dez dias antes da Copa de 1978, na Argentina. “Eu fiquei muito revoltado. Eles até me convidaram para ir assistir aos jogos, mas eu preferi ficar por aqui, caso precisasse operar”, disse apontando para a perna direita esticada, que até hoje sofre as dores da época.
Depois do futebol
Ao sair dos gramados em 1984, Zé Maria deu início à carreira política. Além de vereador, passou a incorporar a equipe da Secretaria de Esporte do município de São Paulo. Apenas em 1999, o ex-jogador foi convidado a entrar na Fundação CASA, entidade destinada à menores infratores vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania.
“Os jovens da Fundação têm muito interesse em conhecer a trajetória desse menino que saiu de Botucatu e se tornou campeão mundial. O Zé foi uma pessoa que se dedicou ao esporte e, por isso, valoriza a convivência. Reconhecemos a atividade como um instrumento de construção de vínculo social”, afirma o secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania e presidente da Fundação CASA, Márcio Fernando Elias Rosa.
Com a entrada de Zé, as ações de esportes passaram a ser externas e chegaram a ter apoio da Federação Paulista de Futebol. A parceria entre os dois órgãos permitiu que os meninos jogassem nas preliminares das partidas do campeonato paulista.
Atualmente, ocupa o cargo de assistência de direção da Gerência de Esporte, ao lado de Carlos Alberto Robles. Desde então, o ex-jogador procura aprimorar as modalidades esportivas, bem como o desempenho dos meninos. A Copa CASA, por exemplo, está em sua 14º edição e é uma das principais atividades promovidas pela Fundação.
“O esporte é um grande incentivador para todos os adolescentes, principalmente o futebol, que tem todo esse glamour no país. O trabalho executado dentro da Fundação possui várias vertentes. A cada três meses temos campeonatos estaduais para trabalhar diversas modalidades esportivas”, comenta Adriana Gomes de Souza, diretora regional da Fundação, que reúne 15 centros.
Além do futebol de campo e salão, eles são incentivados a praticarem vôlei, basquete, xadrez e outras áreas. Mas a atuação de Zé não se restringe a essas iniciativas: usa de seu reconhecimento para descobrir talentos e fazer o “meio de campo” com clubes e times paulistas e, porque não, brasileiros.
Para isso, estabelece vínculo com os meninos das 144 unidades da Fundação em todo território paulista, oferecendo palestras e compartilhando um pouco de sua trajetória. Na verdade, trata-se de uma conversa que faz com que eles repensem suas atitudes e perspectivas e enxerguem uma possível mudança de vida.
“Reúno a molecada, falo sobre futebol, explico como eu comecei. Eu era moleque como eles, gostava de jogar bolinha, tocar pião, mas não peguei esse caminho. Eu falo claramente que trabalhei muito e olhei muito para minha família, que também não me previa um futuro. E o esporte me abriu portas”, expressa Zé.
A unidade João do Pulo da Fundação, localizada no bairro da Vila Maria, na zona Norte da capital paulista, recebeu o craque na última segunda-feira (11) para conversar com os adolescentes. Muitos, por mais que desconhecessem sua história, se interessaram por sua carreira e tornaram a palestra muito mais dinâmica.
“Para falar de Copa do Mundo com os adolescentes, não tinha uma pessoa melhor para passar essa mensagem. Uma experiência muito boa que é transmitida a eles. É a cereja do bolo do nosso trabalho”, ressalta o professor de educação física da unidade, Rafael Rangel.
Supertalento
Se conquistar o mundo parece não ter sido suficiente, Zé Maria ainda tem muito com o que contribuir. Com essa humildade e sensibilidade de craque, o ex-jogador fala sobre a alegria de encontrar um jovem da Fundação e descobrir que o seu trabalhou ajudou a tirá-lo da criminalidade.
“Se eu consegui, vocês também podem tentar. Nós estamos aqui para isso. Alguns tiveram sucesso, outros pelo menos saíram dessa vida por conta do esporte”, fala, muitas vezes emocionado, aos meninos do centro.
Onde é que esteja seu poder, no talento da bola, na raça ou no prefixo do nome, o ex-jogador não deixou de ser quem era em campo. O ídolo continua cativando, dessa vez, um público que merece uma atenção maior e, mesmo fora dos gramados, não é muito diferente: a energia de Zé transforma e aproxima qualquer um de seus superpoderes.
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