A verdade sobre o Orçamento de São Paulo - José Carlos Stangarlini
Sem votar o Orçamento, a Assembléia Legislativa de SP cria um problema político. A população paga a conta, e a oposição tenta faturar

BÚSSOLA matemática dos movimentos de qualquer governo, o debate sobre o Orçamento concentra um dos grandes momentos da atividade parlamentar. Revela as prioridades de cada bancada, transforma a retórica de palanque eleitoral em moeda sonante e permite o confronto de idéias no plano que interessa à população -o das respostas práticas aos problemas concretos.

Ao permitir que o Orçamento de 2007 se arraste sem votação, a Assembléia Legislativa de São Paulo criou um problema político. Sem uma planilha autorizada de gastos, um governo não pode definir investimentos nem escalonar recursos. Não pode cumprir obrigações nem fazer repasses que precisam de autorização legal, numa situação ideal para a criação de conflitos artificiais e tensões pré-fabricadas. Quem paga a conta é a população, especialmente os mais humildes. Quem tenta faturar é a oposição.

O artigo "Serra e o Orçamento 2007" ["Tendências/Debates", 22/2] constitui um caso típico dessa situação. Num esforço para esconder as responsabilidades do PT para paralisar a discussão sobre o Orçamento ocorrida no ano passado, quando o partido bloqueava os debates com o pretexto de que queria garantir espaço para a inclusão de R$ 100 milhões em emendas, o deputado Enio Tatto [PT-SP] tenta atribuir ao governo do Estado falhas de comportamento que cabem a boa parte das bancadas da Assembléia -inclusive a sua. A linha de raciocínio de seu artigo consiste em tentar demonstrar um disparate: a Assembléia não votou o Orçamento de 2007 "porque o governo não quis".

Num comportamento que não honra o diploma de contador que costuma exibir, Tatto revela em tom de acusação que o Executivo gastou, no início de 2007, recursos muito inferiores aos previstos pela Lei de Diretrizes. Ele lista investimentos que teriam sido reduzidos em várias secretarias, num exercício próprio de quem não sabe o que está escrevendo.

É puro absurdo: o ABC da gestão pública ensina que é comum, no início de cada ano, uma administração fazer uso de recursos que sobraram do exercício anterior para pagar as despesas do ano seguinte, empregando a velha técnica administrativa de pagar gastos novos com dinheiro antigo. Por essa razão, no primeiro mês, os gastos sempre costumam ser inferiores ao que fora previsto, pois é preciso aproveitar os saldos anteriores.

Se essa é a regra geral, no início de 2007 ainda ocorreram duas situações peculiares. Ao longo do ano de 2006, o governo de Cláudio Lembo fez uma previsão prudente de gastos e receitas. Temeroso de encerrar o ano em déficit, cortou gastos, interrompeu obras e, como muitos leitores certamente se recordam, chegou até a cogitar a venda de ações da Nossa Caixa para fazer frente a despesas que pareciam colossais.

Ocorreu o inverso. Alavancadas por uma recuperação da atividade econômica e também por uma anistia fiscal que gerou ganhos espetaculares, as receitas do Estado explodiram. No fim, em vez de faltar dinheiro, como se esperava, sobrou.

Retomando um coral antigo e desinformado, o deputado do PT diz que o governo Serra "inicia o ano segurando recursos até mesmo das universidades estaduais", informação falsa e que o governo já esclareceu diversas vezes ao longo das últimas semanas.
Por falta de um Orçamento, o governo está legalmente impedido de fazer repasses automáticos de recursos às universidades estaduais. Mesmo assim, os recursos não-repassados às instituições não envolvem salários de funcionários, nem de professores, nem despesas de custeio e alcançam cerca de 1,5% do orçamento das universidades, quantia que elas podem perfeitamente suportar.

Num comportamento que trai uma ótica absurda pela qual gastos bons são gastos altos, Tatto reclama de investimentos que foram reduzidos sem dar-se conta de que não havia motivo para que seguissem no mesmo patamar.

Assim, os investimentos em saúde caíram de R$ 685 milhões em 2006 para R$ 430 milhões em 2007. "O corte foi de 37%", afirma. Faltou explicar que, em janeiro de 2006, as obras de reforma e conclusão de grandes hospitais, como o Instituto da Mulher, na avenida Doutor Arnaldo, se encontravam a pleno vapor. Um ano depois, os trabalhos se encontram em fase final, a um custo menor.

Mas o deputado poderia ter registrado que as dotações aportadas pelo Tesouro na função saúde passaram de R$ 5,6 bilhões para R$ 6,1 bilhões.

Teria sido uma forma mais adequada de discutir prioridades e opções do Orçamento 2007.


José Carlos Stangarlini
Tendências/Debates - Folha de São Paulo 27/02/07
JOSÉ CARLOS STANGARLINI , advogado, deputado estadual, é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa de São Paulo.nullnull
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